sábado, 8 de agosto de 2009

A Coragem de Seres Só

Uma arma de triunfo te dei, sobre todas as outras:
a coragem de seres só;
deixou de te afectar como argumento ou força esmagadora a alheia opinião,
as ligeiras correntes e os redemoinhos do mar;

rocha pequena, mas segura, sobre ti se hão-de erguer,
para que vençam a noite, as luzes salvadoras;
não te prendem os louvores dos que te querem aliado, nem as ameaças dos contrários; traçaste a tua rota e hás-de segui-la até ao fim,
sem que te desviem as variadas pressões.

Só e constante, mesmo em face do tempo;
os anos que rolam tu os consideras elemento de experiência;
para os homens futuros episódios sem valor;
se eles te abaterem, só terão abatido o que há de menos valioso;
e contribuirão para que melhor se afirme o que puseste como lição da tua vida;
a muitos absorve o actual; mas a ti, que tens como tua grande linha de cultura,
e porventura tua alma, a posse das largas perspectivas,
a hora começando te vê firme e firme te abandona.

Nenhuma estóica rigidez neste teu porte;
antes a compassada lentidão, a facilidade maleável de bom ginasta;
não é por amor da Humanidade que hás-de perder as mais fundas qualidades de homem.

Em tal espelho me revejo,
eu que tomei tua alma incerta e a guiei;
e contemplo como doce oferenda, como a mais bela visão que me poderias conceder,
a clara manhã que já de ti desponta e lentamente progredindo
há-de acabar por embalar o universo nos seus braços de luz.

Agostinho da Silva, in 'Considerações'

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